Acadêmica Myria Machado Botelho Cadeira n° 24 - Patrona: Maria Cecília Machado Bonachella |
Coragem,
humildade, defesa intransigente de princípios morais inegociáveis, sobretudo
maturidade de fé, escudada em grande sabedoria teológica e conhecimento da
doutrina cristã, eis o legado do papa Bento XVI que anunciou sua renúncia no
último dia 11 de fevereiro, num gesto grave e histórico.
Vários
são os motivos alegados e explorados pela mídia sensacionalista, embora se
saiba que o feitio deste papa não seja o dos impactos e das exposições espetaculares.
Simples, modesto e discreto, o verdadeiro servo de Deus na acepção da palavra,
seu gesto, pensado e refletido é sim o da decisão lúcida e coerente de um homem
vergastado pelo peso de uma responsabilidade maior do que sua capacidade humana
pôde suportar.
Não somente a saúde fragilizada, mas
principalmente o reconhecimento de que as rápidas mudanças e agitações de
grande relevância para a vida da fé, numa conjuntura de graves divisões e
crises movidas por interesses políticos, pessoais e ideológicos, incompatíveis
com a doutrina cristã, estão desfigurando os pilares eclesiásticos. Sabe-se
que, nas diversas tentativas e reações extremas contra o governo paralelo que
teria se formado à sua sombra sob o comando de um cardeal italiano, o papa
sentiu a exaustão e o isolamento político, consciente de que já não mandava
sozinho na Santa Sé. Com os poucos anos que lhe restam, convenceu-se de que não
conseguiria fazer o que havia planejado em face da resistência de seus
ex-aliados; achou por bem abandonar o confronto num momento de relativa
calmaria.
Na
Quarta – feira de Cinzas, em sua última Missa realizada na Basílica de São
Pedro, o papa deixou entrever em sua homilia, esta problemática, apoiado no
Evangelho
que condena a hipocrisia dos
fariseus.
A
Igreja, fundada por Jesus Cristo, é santa; porém ela é formada por santos e
pecadores.A dor e a emoção que sacudiram milhões de cristãos nesses momentos
incertos, vêm acompanhadas porém, de uma certeza:A “Barca de Pedro” não
soçobra; permanecerá firme, apesar dos ventos e das tempestades! As portas do
inferno não prevalecerão sobre ela, sustentada por Jesus, o Supremo Pastor,
cuja Palavra de salvação permanece para sempre, no mundo de ontem, de hoje e de
amanhã. Firme porque para conduzi-la, temos a força e a santidade de grandes
condutores, zeladores e defensores da fé, a legar para a posteridade o
testemunho de sua edificação.
Sucessor
de João Paulo II, o papa carismático, de quem foi grande amigo e conselheiro por
mais de 15 anos, Bento XVI não possui seu carisma, embora tenha sido,
provavelmente, o intelectual mais preparado para a cátedra de Pedro. Autor de
escritos e encíclicas notáveis, de enorme profundidade, como Caritas in
Veritate ( A caridade na Verdade), Deus Caritas Est ( Deus é Caridade), suas
páginas repletas de reflexão estruturadas num imenso amor ao Deus da Verdade,
de quem tudo provém, conduzem-nos para uma espiritualidade construída e
amadurecida pela razão. Uma luminosa sabedoria, apoiada na vasta formação
teológica e clássica, desdobrando-se no raciocínio lúcido sobre os aspectos da verdade e da caridade de
Deus, ambas em estreita ligação.
Na encíclica
Spe Salvi (Salvos na esperança), em refinada abordagem, a mensagem de Cristo é
desvinculada da política; citando Kant, Platão, Dostoievski, Nietzsche e Marx,
o grande teólogo discute os limites da modernidade e da construção de um mundo
sem Deus e sem a esperança que encoraja a razão e dá-lhe a força para orientar
a vontade.
Toda essa herança, nesses oito anos
de pontificado, será lembrada por milhares de cristãos que desfrutaram de seus
escritos, de suas aulas catequéticas e de seus sábios pronunciamentos. Bento
XVI nos deixa um precioso legado e um forte testemunho de autenticidade. Este
papa será lembrado sempre como um grande defensor da fé num mundo dividido por
tantas e alarmantes problemáticas. Como Cristo, crucificado pela incompreensão
e a injustiça, seu testemunho da Verdade, única e intransigente, é o sinal
característico da contradição, a marca do verdadeiro cristão, proclamada e
vivenciada por Cristo, há mais de dois mil anos.
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