Ésio Antonio Pezzato
Beira-Rio I
I
Estilhaço bucólico... Paisagem
Poética e repleta de lirismo!
Eis a Rua do Porto! – Ampla miragem
Onde Piracicaba faz turismo!
Aqui o Rio em sua branda aragem,
Prende a população num magnetismo
Como se houvesse paz, sossego, calma,
Como se o Rio enfim, tivesse um’alma!
II
Casinhas penduradas nos barrancos,
Verdes de mil matizes fecundados...
Velhas cabeças de cabelos brancos,
Ficam lembrando fatos já passados,
Esquecidos no tempo... Velhos bancos,
Têm histórias e fatos registrados:
– Neste ambiente repleto de poesia,
O povo ribeirinho passa o dia...
III
Parece até que esse genial recanto
Esqueceu de crescer com a cidade;
Lembra um passado de suave encanto
E o progresso não tem alacridade.
Às tardes ainda se ouve o terno canto
De uma canção movida de saudade...
– Cantando, tendo ao lado um sonho adrede,
O pescador constrói a sua rede...
IV
Quando se reúnem velhos pescadores,
Contam suas fantásticas histórias...
Lembram lendas repletas de terrores,
Que ainda conservam vivas nas memórias...
Às vezes com seus ares zombadores,
Pondo mais sisudez nas oratórias,
Mostrando bem as expressões caipiras,
Recordam fatos cheios de mentiras...
V
Porém, essa paisagem que delira,
Margeada pelo Rio lerdo, absorto,
É o local onde a vida não conspira
E nem existe ameaça ou desconforto.
Ali tudo tem vida, tudo inspira,
O Rio em mansidão banhando o Porto,
Do Povoador a sua velha casa
E um cheirinho de peixe assado em brasa...
VI
Quantas vezes, meu Deus, essa paisagem,
Retratada não foi pelos Artistas!
Tudo lembra fantástica miragem
– Museu onde se guardam as conquistas
Da cidade e de cada personagem
Que por ali lançaram suas vistas!
É paisagem de sonhos pitoresca,
É local apropriado para a pesca!
VII
Embora não se pesque mais como antes
A pesca ainda é bastante divertida...
Já não existem os jaús brilhantes
Que o velho Rio está perdendo a vida.
Ainda existem velhos habitantes
Que não gostam de ver, toda invadida,
A bucólica rua e o que incomoda,
É que o turismo ali veio... e fez moda...
VIII
Quem vê o Rio em a margem direita
Pensa ver um montão de pescadores
Que estão fazendo uma ótima colheita,
Porém, eles estão plantando flores...
Mas um melhor olhar mata a suspeita:
O que se enxerga ali são multicores
Bonecos espiando o nosso Rio,
No olhar que até provoca desafio.
IX
São as obras do Elias dos Bonecos
Feitos com roupas velhas e surradas,
São variedades mil de cacarecos
Usados para as suas empreitadas.
De soslaio alguns olham para os becos
Sempre de prontidão nas madrugadas,
E num sem fim estado de vigia,
Mais parecem farrapos de Poesia.
X
São dezenas, centenas, são milhares,
De olhos atentos, prontos à denúncia;
Do Rio são soldados militares
Que em silêncio trabalham sem renúncia.
Embora fiquem quietos em seus lares,
E não façam sequer uma pronúncia,
Cada boneco traz o olhar atento
Para qualquer suspeito movimento.
XI
Porém, de uma feição magoada e triste,
Parece que eles olham o passado,
Lembrando um sonho que não mais existe
E vendo um mundo todo profanado.
Mas sei que em cada olhar, fiel persiste,
Um desejo demais apaixonado:
Ver novamente o Rio em diadema,
Na fabulosa luz da Piracema!
XII
Eis que longe num troar de espuma,
Denso, alvejante, onipotente, forte,
– Gigante colossal que os céus esfuma
E tenebroso porque traz a morte,
Ruge o Salto ciclópico entre bruma,
Mas logo após, esplêndido e com porte,
Uiva soturnamente e assim parece
Um velho Paiaguá em sua prece!
XIII
Na sua maravilha ultra-infinita,
O Salto é uma paisagem esplendente;
Enquanto em suas pedras a água grita
E em catadupas cai ruidosamente,
A sua vida aquática se agita,
E troveja num coro irreverente;
Parece Deus que quer, num férreo ameaço,
Digladiar o Infinito no amplo Espaço!
XIV
E as águas caem volumosas, loucas,
Espartanando na volúpia densa,
Parece até que dez milhões de bocas
Lançam ao céu estrepitosa crença!
Mas as aves, porém, planando moucas,
Num balé de tamanha indiferença,
Em voos rápidos, geniais, ariscos,
Deixam em sua espuma airosos riscos!
XV
Belo! Nessa beleza altitonante
O Salto lembra cataratas d’ouro.
Quando o sol, em seu brilho coruscante,
– Como se fosse aurífero tesouro! –
Jorra à terra seu raio deslumbrante...
E o Salto ruge como enorme touro
Que aprisionado num marnel incerto,
De repente se visse a céu aberto!
XVI
Parecendo demônios enjaulados
À beira de um enorme precipício,
O Salto, como lobos esfaimados,
Nas pedras vê-se livre do suplício;
E águas espadanando pelos lados
Como se fossem fogos de artifício,
Numa beleza singular, o Salto,
Explode de alegrias para o alto!
XVII
É o respirar dos deuses! São mil vozes
Gritando, declamando, saraivando,
Intrépidas, esdrúxulas, ferozes!
Parecendo formar, alvas, um bando
Fenomenal de grandes albatrozes,
Que jamais aceitaram um comando!
Feroz, no fogaréu de mil ideias,
Ruge o Salto sublimes Epopeias!
XVIII
É o prélio! é a rebelião! é a larga luta!
São legiões de guerreiros espartanos!
É o desespero! É o fogo da disputa!
Soldados a gritar! São diluvianos
Cristais! É a destemida força abrupta!
É o rugir de fantásticos oceanos
Que numa queda explodem ferozmente,
E depois seguem calmos na corrente!...
XIX
Sossego, calmaria, a paz, o manso,
A água lerda vagando sonolenta...
Brandos, os barcos boiam no balanço,
De ondas que passam com a cor barrenta...
Parece o Rio estar em seu descanso
Depois de uma batalha famulenta...
Beijando com carinho o antigo Porto,
Pensa-se até que o velho Rio é morto!
XX
E no ponto onde está localizado
O Vai-vem, tenebroso e fundo poço,
Onde as águas, após terem boxeado
Junto ao Salto em esplêndido alvoroço,
É o exato local amaldiçoado
Que o Rio simboliza o tredo alcouço;
Onde tantos e tantos nadadores
Findaram e deixaram tantas dores...
XXI
Além deste Vai-vem, outros perigos,
Rondam o nosso poderoso Rio,
Que vive a provocar os seus castigos
Em desesperos cheios de arrepio.
O Bongue é um dos fantasmas mais antigos,
Poço cheio de horror, de calafrio,
Túmulo para os mais desavisados,
Quando à morte se veem desesperados.
XXII
Esses locais o mundo em transe teme...
Os pescadores, conhecendo o abismo,
Sentem que o coração em ânsias geme.
O Rio ali tem forte magnetismo
E poderosos ímãs... Perde o leme
O timoneiro... A boca em forte trismo
– Lembrando interjeições de puro medo,
Que a alma do Rio é cheia de segredo.
XXIII
As águas em um lerdo redemoinho
Ficam fazendo um círculo perfeito...
Parece até que perdem o caminho
E não conseguem encontrar o leito;
O Rio, por ali, vai de mansinho,
Que o poço impõe impávido respeito –
A água vai... A água vem... A espuma boia,
Como fazendo parte da tramoia!
XXIV
Para se ter uma visão mais bela
De nosso Rio com seu belo Salto,
Melhor andar em cada passarela,
Que a nossa vista – em grande sobressalto! –
Verá a mais pura e líquida aquarela,
Que o coração nos toma em doce assalto!
A cachoeira lançando a sua bruma
Num espetáculo que tudo esfuma!
XXV
Numa canção estrepitosa, as águas,
Despencando nas pedras milenares
Despejam num estuário suas mágoas
Dando a impressão de lúcidos cocares
Dos Paiaguá, que em suas festas fráguas,
À Natureza erguiam mil altares.
É o Salto! É a sua vista contagiante
Que vemos debruçados no Mirante!
XXVI
Por suas alamedas de mil sombras,
– Rumos que serpenteiam entre troncos,
Canteiros de folhagens, com alfombras,
Do estrepitar do Salto ouve-se os roncos!
Oh! Coração, que bates e te assombras,
Com estes hinos suarentos, broncos,
Tem calma e fé, pois esta é uma linguagem,
De quando tudo aqui era selvagem.
XXVII
As árvores gigantes, centenárias,
Emolduram pictórico recanto,
Vozes da Fauna e a Flora em cores várias
Recebem, de mil vidas todo o encanto,
Que Deus aqui plantou... Aves em árias
Beethovenianas, fazem o seu canto,
Numa oblação divina e até parece
Que há prelúdios no céu de pura prece!
XXVIII
Do Mirante se tem visão mais larga
Dos amplos horizontes da cidade...
A vista em puro frêmito se embarga
Num encanto de sonho e de vaidade...
Pós Colina a cidade mais se alarga
Entravar seu progresso, quem é que há de?
Piracicaba vista do Mirante
É uma visão sublime, delirante!
XXIX
Do Mirante as tortuosas alamedas
Vão nos levar, de súbito, até o Rio;
As águas mais parecem labaredas
Que, ao invés de queimar – provocam frio.
Vastos lençóis de transparentes sedas
E as águas nos provocam arrepio:
Se pusermos os braços esticados,
Do Salto as águas vão deixar molhados.
XXX
A poucos metros – sonho que endoidece –
O Salto mostra a sua doida força
De Deus nos lembra uma divina prece
Que nossa sublimada Fé reforça.
Lembra um Altar e tudo até parece
Um dilúvio que vem, pleno se esforça,
Inundar vales e cobrir montanhas,
Da terra revolver fundas entranhas.
XXXI
Eis o Mirante – Altar da Natureza! –
O vale de um poema enamorado;
Recanto de recôndita beleza
Que assistiu celebérrimo noivado
Da Noiva que ainda é cheia de pureza
Pelo índio que vivia apaixonado;
Noiva que estende o véu, alva neblina,
E que é chamada Noiva da Colina!
XXXII
O Véu da Noiva!... Muita gente pensa
Que é aquela cascata junto ao Salto,
Mas está totalmente errada a crença
E o verdadeiro fato aqui ressalto,
Porque a verdade tem outra nascença
Podendo até causar um sobressalto
Em quem não acredita no que digo,
Porém, a realidade está comigo...
XXXIII
Foi Brasílio Machado quem, um dia,
Contemplando extasiado a alva neblina
Que ao céu subia em forma de magia,
Com as rimas, ao som de uma ocarina,
Inspirado compôs uma poesia,
E o epíteto de Noiva da Colina
Pela primeira vez foi pronunciado
Nos lábios de um Poeta apaixonado!
XXXIV
O Rio é nosso manancial de Vida!
Porém, não é tratado com carinho.
Abscesso! Mais parece uma ferida
Nosso lindo recanto ribeirinho.
Seu leito de água negra, apodrecida,
Conduz à morte o pobre passarinho,
E as Usinas, jogando mais restilo
Matam de vez o vale antes tranquilo.
XXXV
E quando chega o tenebroso estio,
O Rio mais parece um velho morto...
É a época do inverno, o rude frio,
Colocando neblina em tom absorto
Tenta incutir à morte o nosso Rio;
E a nossa colossal Rua do Porto
Parece preparar-se para a morte
Na mais hedionda, rude e negra sorte.
XXXVI
Veios d’água escorrendo pelas pedras,
À falta de oxigênio os peixes morrem...
Oh! Natura, por que impiedosa redras
Os poucos veios d’água que ainda escorrem?
Políticos sentados em exédras
Sobre filosofias vãs discorrem
E tu morres, oh! Rio, em dura mágoa,
Enquanto o Cantareira rouba-te a água!
XXXVII
Às tuas vestimentas cristalinas
Paira uma veste de sombrio luto...
Aves que em voos rápidos, traquinas,
Entoando sinfonias em tributo;
Vendo tal quadro vão, em outras sinas,
Buscar para viver novo reduto...
Belo oásis onde – multicolorida,
Seja mais pura e mais radiosa a Vida!
XXXVIII
A seca mata! A água estagnada fede...
Aranhas e escorpiões saem das tocas
E picam pés descalços... Vem a sede,
Nenhuma gota d’água chega às bocas...
O pescador lançando a sua rede
Pressente o desespero... Muriçocas
E pernilongos vão, em denso bando,
Os membros nus do pescador picando...
XXXIX
Bandos de garças partem em revoada
E a paisagem se torna sonolenta...
O melhor é esperar a chuvarada
Que a Primavera traz suave, lenta...
Ouvir do céu, centrípeta trovoada,
E a chuva caindo em forma de água benta...
Sonhar com o Verão para, em anseio,
Novamente aplaudir o Rio cheio!
XL
Quando as águas do Salto choram mansas
Na estiagem dura que lhe aplica o Inverno,
Os nossos sonhos saltam em lembranças
Num devaneio que parece eterno;
Porém, no peito, airosas esperanças,
Deixam noss’alma com delírio terno,
Que o Rio – este ciclópico colosso! –
Ainda irá ressurgir com alvoroço!
XLI
Nossas mágoas, portanto passageiras,
Graças a Deus só duram na estiagem,
Pois vindo as chuvas, grossas corredeiras,
Estrugem novamente com voragem.
E as pedras – esqueléticas caveiras! –
Vestem de novo esplêndida roupagem,
E em cantos, num atávico amavio,
Mostram o Espírito de nosso Rio.
XLII
O Rio mostra assim para a Cidade,
Os acordes de um Ser apaixonado,
Que canta com suprema alacridade
Hinos de amor num mágico dobrado.
É fantasia, lenda ou é verdade?
Mas parece que um Deus glorificado
Lindas canções de amor de êxtase trina,
Ao ver a linda Noiva da Colina!
XLIII
Quando a época das chuvas acontece
De maneira feroz, descontrolada,
O nosso velho Rio mais parece
Gigante Ser que não respeita nada.
O Salto ronca – súbito estremece,
Seu leito não parece ter parada:
Invade ruas, casas, avenidas,
E pessoas que estão desprevenidas.
XLIV
Rua do Porto... Antigos moradores
Sofrem desesperados com a enchente.
Parece a água ter força de tratores
Que tudo estraga intempestivamente.
Velhos barcos de antigos pescadores,
Nest’hora se transformam na corrente:
Mais parecendo um trapo de esperança,
Cada um traz no seu bojo uma mudança.
XLV
A água do Rio, em desespero insano,
Tudo invade com fúria e sem piedade;
O Rio se transforma em vasto oceano
Gigantesco e destrói enquanto invade.
Provocando prejuízo, angústia e dano,
O Rio é o Espectro vivo da maldade:
Se alguém desprevenido entra em seu leito,
O Rio mata por achar direito!
XLVI
Nesses dias, transmuda-se a paisagem:
O Rio embrutecido, água barrenta,
Soberano, em estúpida voragem,
Amedronta e tem força turbulenta.
Transforma-se em estranho personagem
E mostra poderosa fúria odienta;
Mas é que tanto os homens dão-lhe a morte,
Que ele nos mostra o quanto tem de forte!
XLVII
Na época linda e esplêndida da enchente,
O Rio se renova em sua vida.
É tempo de desova... O tempo quente
Faz que os peixes, em rábida subida,
Nadem ligeiros contra a água corrente,
Numa dança esplendente e desmedida...
E os cardumes num lúcido diadema,
Dão início à formosa Piracema!
XLVIII
Festa nas águas! Como num ensaio,
Primeiramente os peixes mais pequenos
Ligeiros e velozes, como um raio,
Vão musicando o Rio com seus trenos...
Prateados lambaris num hino gaio
Lembram lenços em líricos acenos...
Tilápias e mandis, também ariscos,
O Rio vão cobrindo com mil riscos.
XLIX
Assim começa a mágica apoteose!
Curimbatás tingem de prata o Rio,
Aos milhares em cálida simbiose,
Fazem o canto atávico do cio...
E nessa colossal metamorfose,
Parece haver o encanto luzidio
De pedrinhas moídas de brilhantes,
Que soltam os seus fachos coruscantes!...
L
É procissão aquática! o espetáculo
Dos dourados subindo as corredeiras,
Deixando para trás qualquer obstáculo
Lembram tribos selvagens e guerreiras
Na luta de vencer qualquer tentáculo,
Para bem mais abrir suas fronteiras.
Pintados e jaús, na ânsia incontida,
Seguem juntos num hino à própria Vida!
LI
Frente às flores na fresca primavera
Nessas horas de encanto e de alvoroço,
A alma de cada peixe deblatera,
Pois os homens não sentem o colosso
Desse encanto de Deus, dessa atmosfera
Da vida, que renasce num endosso
Da Natureza e, cheios de ansiedade,
Matam o Rio, insanos de piedade!
LII
Parece nessas épocas, que Cristo,
Nos visitou em Eras já passadas,
E Pedro numa barca aqui foi visto...
Porque nas velhas páginas sagradas
Do Evangelho há verídico registo
De pescas milagrosas e encantadas! –
Tantos peixes subindo a correnteza
É o milagre maior da Natureza!
LIII
É a desova dos peixes! E os cardumes
Enchem o Rio de esperança e vida!
Num salto, contra o sol, lançam seus lumes,
Refletidos na escama colorida.
Harmonioso balé! Valsas, queixumes,
Coloridos cristais! E na subida
Das pedras, na canção em sobressalto,
Os peixes se debatem contra o Salto!
LIV
Ágeis, nervosos, saltam em anseios
E lutam contra as Leis da Natureza.
Jogam-se no ar em loucos devaneios
Para vencer a forte correnteza...
Porém, é fim de viagem... E nos seios
Das pontiagudas pedras, na beleza
Das Leis de Deus, num mágico poema,
Finda o espetáculo da Piracema!
LV
O homem, porém, mais uma vez profano,
Num crime contra a própria Natureza,
Mostra que tem o seu viver insano.
Com sua vilania e torpe crueza
Junto ao Salto que paira soberano,
Onde estão os cardumes sem defesa,
Na espreita as redes desvairado lança
Na mais odiosa e criminosa dança.
LVI
Os cardumes vão sendo dizimados,
Os peixes são com suas ova mortos:
Os anseios da Vida são roubados
Nos trazendo sofridos desconfortos...
Ladrões da Natureza, esses malvados,
Deviam ser expulsos desses portos,
Mas eles fazem isso e dão risadas
Partindo para novas empreitadas...
LVII
Contudo nossas leis são descabidas
E o criminoso sempre sai ileso.
O Rio vai perdendo suas vidas
Por não saber lutar – vive indefeso.
À Piracema de épocas floridas
O nosso encantamento vive preso.
Os jaús, os pintados e os dourados,
Somente na memória são lembrados.
LVIII
Contudo, quando era a época da cheia,
E o Rio se tornava volumoso,
A atração que se via era tão feia,
Como cenas de um teatro tenebroso!
Podre cheiro de morte, que sem peia,
Às águas misturava cavernoso...
Era o restilo, era a lixívia negra,
Que ao Rio vinha sem nenhuma regra....
XLIX
Peixes mortos rolavam aos milhares
Na procissão aquática da morte!
Um cheiro pútrido volvia aos ares
E a carniça exalava infrene e forte...
Os pescadores, presos em seus lares,
Lastimavam tão negra e horrível sorte,
O Rio agonizando, lerdo e horrendo,
Aos poucos ia, em solidão, morrendo!
LX
Indústrias de maneiras descabidas
Espalhavam a morte ao nosso Rio,
Assassinando impunes frágeis vidas
Que germinavam em glorioso cio.
Porém, como não eram advertidas,
E às leis sempre buscavam desafio,
O mais belo Postal desta cidade
Sofria a mais medonha atrocidade!
LXI
Hoje embora não haja mais restilo,
Do Rio a vida não é mais a mesma...
O amor é pouco para redimi-lo
E a punição caminha como lesma.
Porém, o Povo não está tranquilo,
Vendo o Rio qual tétrico abantesma;
E sempre cobra, com maior anseio,
Ver o Piracicaba d’águas cheio!
LXII
Nosso Rio tão lindo... Nosso Rio
– Apaixonado oásis de beleza! –
Sempre foi um recanto luzidio
No Altar de luz maior da Natureza!
Criado por um Deus em amavio
Para a nossa cidade foi realeza:
Manto sagrado de fulgor e Vida,
Que deixava a paisagem mais florida!
LXIII
Filho do Jaguari e do Atibaia,
Na montanhosa Extrema tem nascente.
De vales encantados beija a saia
Ziguezagueia e torna-se corrente...
Por ele alva e prateada espuma espraia
Pelos raios do sol fica luzente;
Límpido e cristalino segue a pista
E penetra o bendito chão Paulista!
LXIV
Porém, conforme serpenteia o Estado,
Vai margeando cidade após cidade...
Em todas elas, sem nem um cuidado,
Vai crescendo fatal atrocidade...
Tubulações de esgoto não tratado
Despeja-se no Rio sem piedade,
O descuido é tamanho nesta sorte,
Que ele se vê de frente com a morte.
LXV
Os desmandos e o cheiro de ganância
Deixam em podridão esse gigante...
Os dias vai vivendo na inconstância
Na pena mais cruel e anavalhante...
Já vai longe, perdido na distância,
O tempo em que ele belo e marulhante,
Exalava fragrâncias de perfumes,
E trazia milhares de cardumes...
LXVI
Como rimas preciosas de um poema
Nosso Rio era belo, majestoso,
Mostrava a exuberante Piracema,
E qual bênção divina – era piscoso.
Hoje fétido mostra atroz diadema
Que pode ser chamado de monstruoso;
Su’água está sem vida e só nos resta
Uma saudade pálida e funesta...
LXVII
Esquecidas vão sendo as suas lendas,
E os peixes já não param junto ao Salto.
As paisagens formosas, estupendas,
Aos nossos sonhos causam sobressalto.
Esqueléticas pedras são legendas
Numa visão de horror que sem assalto
À Beleza que havia antigamente,
Transforma-se em Tristeza no presente!
LXVIII
Eis que agora a Carioba é o pesadelo
Mais novo para os piracicabanos,
Não adianta fazer moção de apelo
Pois com palavras podres e com planos
Mirabolantes, o progresso em elo
Destrutivo e com gestos bem profanos,
Para aumentar de vez a nossa mágoa,
De nosso Rio quer roubar mais água...
LXIX
A nossa luta é vã, negro é o protesto,
E nosso Rio aos poucos vai morrendo...
De nada adianta o nosso manifesto
Pois o espetáculo vai ser horrendo.
Nestas palavras tristemente atesto
Que o porvir que teremos é tremendo:
Além de estar poluído o nosso Rio
De suas águas vai estar vazio...
LXX
Se as palavras pudessem ser mais puras
E a escrevê-las tivesse eu mais talento,
E se não me perdesse em aventuras
Que vem e vão, em valsas vãs do vento,
Poderia captar com mais ternuras
Desta Cidade cada movimento
E contar desta Noiva seus segredos,
Seus desejos, quem sabe até seus medos.
LXXI
Porém, que medos uma Noiva sente?
Sendo a Noiva tão bela e tão formosa,
Faltarão sonhos em su’alma crente?
Se sua vida é azul, maravilhosa,
Por que ela chora assim copiosamente?
É que a teia profana e perigosa
Dos vilipêndios chega em sua trama
E fere encantos dessa airosa dama.
LXXII
Por isso a Noiva desvairada chora
Ao ver livre campear a impunidade.
O Rio que é seu véu e é sua aurora
É conspurcado na calamidade.
A bela Piracema hoje deplora
E morrem os cardumes sem piedade.
Esgoto aberto o Rio se parece
Quando o ritual das mortes acontece.
LXXIII
Se Brasílio louvou-te no passado
Em versos sereníssimos de encanto;
E Lagreca também apaixonado
Com larga inspiração teceu seu canto,
Minha Noiva eu aqui vivo inspirado
Mas minhas rimas teço em denso pranto.
Atra agonia as tuas mantas cobre,
E bandoleiros deixam-te mais pobre.
LXXIV
Por isso, Lino Vitti, tu, que um dia,
Das Musas me ensinaste o amplo caminho
Para encantos sonhar junto à Poesia,
Hoje me faz viver triste e sozinho.
Ao contemplar chorando esta agonia
Do Rio no estertor em burburinho,
Quisera, Altivo Príncipe querido,
Que tal caminho fosse mais florido.
LXXV
Se juntos essa morte contemplamos,
Só temos versos para defendê-la.
Iguais a pintassilgos nós ficamos
Em trinados de dor preta e amarela...
Nada valem, Poeta, tais recamos,
Nossa Cidade, fulgurante estrela,
Hoje, do céu, esconde-se nublada,
Caminhando na dor da madrugada...
LXXVI
Se o canto hoje se torna um canto triste,
É sem vontade que isso ora aconteça.
Pois se o progresso mais profano insiste,
Natural que tal dor nos abasteça.
E a poluição – nefasta e densa existe –
De lixo podre suas teias teça,
Para trazer com sua ingrata sorte,
A mais profana e pestilenta morte!
LXXVII
Os nossos netos não terão a glória
De ver uma divina Piracema...
Ela será lembrada como história
Ou nas rimas quaisquer de algum poema...
E o progresso há de ter sua vitória:
Um seco leito como atroz diadema!
Depois para coroar tal desconforto,
Nosso mundo estará de todo morto!
LXXVIII
Hoje o capitalismo a tudo invade
E embora ele pareça ser fantástico,
Trazendo um mundo de felicidade,
O desígnio de Deus será bombástico;
Ele ainda irá mostrar na Eternidade
Que a sede não se mata com o plástico,
Sem ar puro é impossível ter-se vida,
E a estrada do porvir será ferida.
LXXIX
A vida é curta, para tanto engodo,
E a mentira também tem perna curta.
Pois a Carioba e este projeto todo
Que a água do Rio simplesmente furta,
Há de ter retrocesso de tal modo
Que ao desespero vai-se ver se encurta,
Mas com certeza já será bem tarde
Para a Vida pedir em forte alarde.
LXXX
A Morte irá fazer sua visita
E a árvores, e as flores, tudo, tudo,
O Homem irá perder pela desdita.
Um pássaro empalhado vive mudo,
O plástico uma flor somente imita,
Porém, não pode dar-lhe o tom veludo,
Nem seu perfume de suave essência,
Que o homem desconhece tal ciência.
LXXXI
Quanta tristeza sinto em tal momento,
Os delírios da dor ferem minh’alma...
A Poesia sequer dá-me sustento
E por tristes razões fico sem calma...
Os versos seguem livres, pelo vento,
E minha dor no peito não acalma...
A noite é fria, estou desconsolado,
Oh! Musa, por que fico em tal estado?
LXXXII
O Progresso é uma foice pontiaguda
E fere minha inspiração... Pudesse
E ela continuaria sempre muda
No silêncio tecendo alguma prece...
Mas solitário estou, ninguém me ajuda,
Lê-se esta estrofe e logo após... a esquece...
Mas quando tudo for fatalidade,
Por certo irão viver esta Verdade.
LXXXIII
Eu sou Piracicaba neste instante
E é por minha Cidade que ora clamo.
Se o Poeta é somente um ser distante,
As lágrimas de dor que hoje derramo
Desta maneira física humilhante,
É pelos homens que também eu amo,
Mas o pranto que verto em devaneio,
Não vai deixar o nosso Rio cheio!
LXXXIV
Pois quando contemplarem no futuro
Esses belos postais que hoje nós temos,
Verão apenas um lugar escuro
Ao invés de recantos tão supremos.
A maldição montada num monturo
Por certo irá sorrir de tais extremos,
Pois ela vive dando o seu aviso
Mas todos a desdenham num sorriso...
LXXXV
Percebo-me patético Poeta
Que encontra um mundo totalmente surdo.
Os clamores de paz seguem sem meta
Frente ao materialismo podre e absurdo.
Minha esperança segue em linha reta
Enquanto versos, com carinhos, urdo...
O mundo das Palavras agoniza
E meus sonhos de fé vão-se na brisa.
LXXXVI
Provável é que nada mais importe
Tão-somente a ganância sobreviva.
E se tivermos mesmo alguma sorte
No lodo irá viver a alma cativa.
Se impiedosa, porém, nos vir a morte,
Bem amarga teremos a saliva
E é certo que a Esperança também morra
No interior de Sodoma e de Gomorra.
LXXXVII
A vida que rasteja hoje no lodo
Encontra o pus da lama e da miséria.
Em cada coração penetra-o todo
Na podridão de forma deletéria.
A cobiça caminha em seu engodo
No chão rasteja por não ser etérea.
E minha linda Noiva da Colina
Macula-se na peste purpurina.
LXXXVIII
Ao canto falta o sopro da Esperança
Ou, feroz, o silêncio é que domina.
Se, tenho o coração feito criança,
O sonho da inocência me ilumina.
Se com meus versos limo a adaga e a lança
E me prostro no cimo da colina,
De rimas faço o escudo da coragem,
Como os Espartas minhas fúrias agem.
LXXXIX
Não tenho a forte voz dos comandantes,
Porém, com estes versos, vou em frente.
Trago o ímpeto de todos os amantes
Que têm um coração no peito ardente.
Com passos firmes, tesos e constantes,
Traço a ideia adurente e sigo crente.
Na água do Rio molho a minha farda,
Arco e flecha me servem de espingarda.
XC
Sou Paiaguá – guerreiro destemido,
Que confronta o inimigo na batalha.
Como Caipira nunca sou vencido
Pois quem vive na espreita nunca falha.
Se vejo o solo amado ser corroído,
O fogo da vingança em mim se talha.
Se a gana de vencer me faz mais forte,
De peito aberto enfrento a fúria e a morte.
XCI
Amargo irá brilhar o último dia
Do dantesco espetáculo nefasto.
Tudo estará nas raias da agonia
Com o homem afogado em ímpio pasto.
Porém, para fazer-lhe companhia,
Virão os animais que andam de rasto:
Aranhas, escorpiões, nefastas serpes,
Que os homens vão deixar com podres herpes!
XCII
Se a vida pode ser assim tão bela
E os homens a condenam a ser feia,
Que haja uma atroz e estúpida procela
Trazendo fim à tenebrosa teia
A qual o homem em pânico se atrela
E no anseio mordaz forte incendeia.
Se ele tudo destrói em louca fúria,
As minhas rimas cospem fel e injúria.
XCIII
E, Poeta, as palavras arrebanho,
Na ânsia incontida de louvar a Vida.
Tentando unir num único rebanho
Quem sonha co’a esperança colorida.
Se, vejo a morte com pavor estranho,
A minha pena fica mais ferida,
Por isso com desdém, em versos rujo,
E contra a estupidez – fero ódio estrujo!
XCIV
Choro, amigos, por ver o nosso Rio,
Horrivelmente escaveirado e morto,
E dentro d’alma sinto o calafrio
Ao ver o aspecto fúnebre do Porto.
Um desespero tétrico e vazio,
O coração no peito pulsa absorto.
Lixo e devastação a céu aberto,
E um futuro profano, podre, incerto.
XCV
Desolação total, pura asfixia,
Nada se faz que mude o panorama...
Já não há mais motivos de poesia,
Sequer declarações para quem ama!
O Rio chora lento na agonia
Que parado contempla o rude drama:
Não se pensa mudar e nem se tenta
Dar fim à cena estúpida e sangrenta.
XCVI
Quero a Vida correndo pelos Rios,
E a mesma Vida quero ver nas matas.
Não quero penetrar vales sombrios,
Onde despencam ódios em cascatas.
Mas busco ouvir serenos amavios
E cristalinos sons em serenatas:
Em voos líricos, azuis, suaves,
Eu quero contemplar, no céu, as aves.
XCVII
O nosso Rio é mais que nossa vida,
É uma declaração de amor intensa.
Doida paixão de graça colorida
Que se transforma em fulgurante crença.
É a legenda mais nobre e mais florida,
Que em delírios é pura recompensa.
Se por Ele e com Ele nós vivemos,
São nossos braços poderosos remos.
XCVIII
É alma viva e latente da cidade
Que lhe tomou o nome no passado.
Herança de fulgor e de verdade
Que deixa o coração apaixonado.
Suas águas em forte intensidade
Deixam nosso futuro iluminado.
E como vigilantes dessa História,
O Rio é nossa vida e nossa glória!
XCIX
Se, tantos sonhos juntos já vivemos,
Mais sonhos juntos vamos nós vivê-los.
Assim barcos no Rio, mãos aos remos,
Tendo o vento a soprar nossos cabelos...
Se pelos ideais mais puros cremos,
Façamos nós valer nossos apelos:
Que a Verdade mais densa e mais sagrada,
Há de ser para sempre eternizada.
C
Se vis profanadores desse Templo
Teimam trazer-lhe a mais temível morte,
No mesmo chão Paulista há outro exemplo
Co’o Tietê sofrendo a mesma sorte.
Quando, tal Rio com sofrer contemplo,
Nada sinto existir que me conforte,
Piracicaba e Tietê com mágoas,
Na mesma dor misturam suas águas.
CI
O que devia ser um hino à Vida,
Causa consternação e sofrimento.
A mata antes nativa e colorida
Vive martirizada em seu lamento.
A fauna dizimou-se nesta lida,
Tornando-se invisível como o vento,
E nas suas enseadas, por capricho,
Existe a podridão, mau cheiro e lixo.
CII
Tudo o que nós deixarmos por herança
À geração por vir de nossos netos,
Há de voltar em gritos de vingança
E maldições em todos os dialetos.
Se nós hoje matamos a esperança
E à Vida já não temos mais projetos,
Em vez de dar aos Rios crua morte,
Que ela nos seja a nossa própria sorte!
CIII
Porém, se um dia, houver o retrocesso,
E o homem deixar de ter tanta ganância,
Curar sua ambição de podre abscesso
E ver a Vida em sua exuberância,
Quando a cobiça não tiver sucesso
E o perfume das flores em fragrância
Deixar o mundo todo perfumado,
Pode ser que o homem seja enfim perdoado.
CIV
E o perdão há de vir na pura essência
Dos corações pulsantes de harmonia,
Nos benefícios mágicos que a ciência
Pode ao homem mostrar dia após dia.
Quando ocorrer a azul magnificência,
Haverá nova luz para a Poesia
Que sendo apenas brilho de lanterna
Dentro dos corações tem chama eterna!
CV
Há de vir o perdão no homem do campo
Por ver suas lavouras com mais vida,
Na lanterninha azul do pirilampo,
Que faz a sua estrada colorida.
Na montanha e no vale a céu escampo
Por onde a terra, após se vir ferida,
Floresce e freme em folhas, flores, frutos,
Na alegria de todos os minutos!
CVI
Há de vir o perdão na voz do vento,
Nos urros dos trovões, nas tempestades,
No sepulcral silêncio do convento,
Nas orações, nas grandes potestades,
No fluxo das marés em movimento,
Na ternura de olhares de amizades,
Nos coloridos sonhos de criança,
Que enxerga à aurora, brilhos de esperança!
CVII
Se o Progresso é de fato necessário,
Que se busque encontrar outra saída,
Não impinjamos tétrico Calvário
Onde será crucificada a Vida.
Demasiado demais esse salário
De deixar a Esperança carcomida.
Não vamos dizimar os nossos Rios,
Nem os campos deixar negros, sombrios...
CVIII
Ao canto é necessária uma Esperança
E em nome da esperança canto agora.
Se, temos n’alma sonhos de criança,
Busquemos a inocência onde ela mora.
Pois se no peito, impávida a vingança,
Matar os sonhos no fulgor da aurora,
Seguiremos perdidos pelas trilhas,
Perseguidos por maltas e matilhas.
CIX
O Rio que hoje vai sinistro e lerdo,
Sem sua vida outrora exuberante,
Sem suas matas em seu lado esquerdo
Parece que soluça agonizante.
Assim desse presente apenas herdo
A lembrança de um sonho puro e amante,
Quando as mãos punha em águas cristalinas,
Em tardes de crianças tão traquinas...
CX
O fruto do progresso foi terrível,
Tal como o Tietê, ele triste corre...
Sua sina gravada é incognoscível,
Daqui uns tempos ele seca e morre.
O homem, porém, no sonho mais incrível,
Passa e ignora e, também não o socorre...
Logo o Rio será um esqueleto
Sepultado na tumba de concreto.
CXI
Os homens que lutaram no passado
Estão a sacudir no chão seus ossos,
Pois agora o que foi de nós roubado
– A água do Rio em túrgidos colossos! –
Há de voltar ao leito mais sagrado
Para fazer florir os sonhos nossos.
O Cantareira vai repor as águas
Que um dia nos roubou em forças fráguas.
CXII
No silêncio maior da madrugada
Minh’alma voa a contemplar o Rio...
Em êxtase ela fica apaixonada,
Das suas águas sente o calafrio.
A lua deixa a noite iluminada
E há na luta da vida o desafio:
Que o Rio em seu fulgor eterno viva
Para a nossa Esperança ser cativa.
CXIII
Os meus olhos passeiam por imagens
E em tudo encontro a alma de um puro Elias.
No silêncio sem fim seus personagens
São fiapos de esperanças fugidias.
Esses bonecos, trazem-me miragens
Espectrais e funestas fantasias.
São pescadores simples e risonhos,
Jogando anzóis para fisgarem sonhos.
CXIV
Eu também de tais sonhos me alimento
Sonhando ao Rio dias mais floridos.
Pois hoje sua morte é meu lamento
E teço versos tristes e sofridos.
Porém, espero ouvir na voz do vento,
Que esses bonecos tristes e esquecidos
Ainda terão a glória mais suprema
De contemplar divina Piracema!
CXV
Enquanto isso, porém, não acontece,
Nosso Rio agoniza imerso em pranto.
A usurpação calou a voz e a prece
E um coração magoado de quebranto.
A água é nosso elixir e nossa messe,
É legado de Deus num doce encanto,
Enquanto o Rio, seca dia a dia,
Em nossas almas cresce atra agonia.
CXVI
Se o tempo faz crescer a atroz estiagem
O nosso Rio torna-se esquelético.
Mais parece um fantasma na miragem,
Um Ser doentio de visão morfético.
Ele que foi o grande personagem
Deste recanto lírico e poético,
Provoca hoje pavor, medo sombrio,
Nem parece que outrora, foi um Rio!
CXVII
Se em lágrimas agora o canto volta
Por ver tanta barbárie consumida,
O verso com espasmos de revolta
Sente a agonia lhe rondar transida.
A minha angústia seus gemidos solta
Por ver que é sem valor de Deus, a vida.
O desespero infando lh’a devora,
E lh’a consome no fulgor da aurora.
CXVIII
A água é fonte de vida para a Vida!
E contra ela se faz crime nefasto.
É lágrima que corre poluída
Pelas faces da Terra em negro arrasto.
A Terra chora triste, desvalida,
Formando um sulco de agonias gasto.
Mas um dia haverá tal desencanto,
Que será enxuto esse copioso pranto!
CXIX
O preservar a Vida é mais que Glória,
É mais que glória ter-se esta Esperança;
Como deixar gravada em nossa história
Que fomos responsáveis desta herança?
Hoje nós temos vivos na memória
De tantos Rios a cruel matança;
E se o Piracicaba pede um rogo,
Para vencer – entremos neste jogo!
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