Acadêmica Myria Machado Botelho Cadeira n° 24 - Patrona: Maria Cecília Machado Bonachella |
Visitei minha terra. Depois de algum tempo, o ser humano sente
necessidade de um retorno, espécie de aconchego e reencontro com suas
raízes. As cidades pequenas possuem
afinidades e características semelhantes, um cunho de simplicidade e de ternura
que fala mais profundo ao coração.
Em São Simão, o sol mais claro e o
céu mais azul, livres da poluição, iluminam e destacam as paredes de pintura
nova de casario de telhado brilhante, quase todo no alinhamento das calçadas. Em acordo tácito, os moradores
resolveram renovar suas casas que
contrastavam a velhice com as
construções recentes.
Andei pelas ruas e calçadões estreitos
e altos, cumprimentando parentes, conhecidos e desconhecidos, surpresos com a
interpelação e a curiosidade da visitante.
Debrucei-me sobre as velhas pontes do rio que corta a cidade e olhei
longe para os grandes pomares com suas
mangueiras amarelinhas de frutos, recordando-me do tempo em que vivia
empoleirada sobre seus galhos ou no balanço
de corda, ganhando as alturas e sonhando alto.
Em frente ao Grupo Escolar, detive-me por algum tempo. Ali se desdobraram meus primeiros contatos
disciplinados com o saber e o dever transmitidos por mestres dedicados e capazes que me
acentuaram o gosto pelos livros. Na
pracinha da Igreja Matriz, defronte ao Grupo, lembrei-me das quermesses e das
festas religiosas, num tempo em que a confraternização era mais cordial e mais
simples, as comadres atualizavam os
mexericos e os “correio-elegantes” funcionavam a todo vapor, endereçando
declarações de amor aos namorados... As
crianças, na barraca das pescarias brincavam e sonhavam, num tempo em que o
“faz de conta” e o medo gostoso das histórias de assombração, do saci Pererê e
das bruxas com poderes sobrenaturais eram pura ficção sem maiores
consequências...
Muita coisa se extinguiu na terrinha
e não está como antes. A estação
ferroviária da Mogiana, bem pertinho da casa onde nasci, transformou-se em
Rodoviária. Já não se ouvem os apitos
sincopados e compridos, os vagões arrastando-se nos trilhos, em manobras ou
arranques definitivos. A chegada dos “Rápidos”
da manhã e da tarde, sempre atrasados, e dos “Noturnos”, constituía um
acontecimento. Nas plataformas um
alvoroço: quem vem, quem não vem, os “despejos” dos passageiros e as despedidas
com acenos de mãos e de lenços, lágrimas e sorrisos que sugeriam a busca do
desconhecido e das aventuras.
Na
sorveteria, bem na esquina da “Rua do Meio”, perto da praça principal, pedi um
picolé de chocolate, o “sorvete de pauzinho” de minha infância, tão desejado e
proibido, em razão da provável dor de garganta.
Na praça maior, uma decepção: as
espirradeiras, os chapéus de sol foram substituídos e o coreto, em volta do
qual se brincava de ciranda, de amarelinha, de fura-bolo e samba- lelê, ouvindo
a “banda” ou a “retreta”, já não existe.
Sentei-me no banco de pedra, diante
dos morros e do Cruzeiro, bem no alto, que já acendia suas luzes. O sol se despedira desmaiando em sua apoteose
derradeira. Os sinos da Matriz do
meu batismo , os mesmos sinos tangiam
docemente, enquanto eu usufruía o silêncio,
quebrado apenas pelo rumorejo do ribeirão ali próximo e o pio dos pássaros,
aninhando-se sob as árvores... Senti-me
proprietária daquela doçura e daquele envolvimento... Súbito, ouço os acordes de uma antiga música:
uma oferta anônima para completar um dia muito pleno em que me debrucei sobre o
passado, com saudade da menina que lá ficou!...
Nenhum comentário:
Postar um comentário