Acadêmica Myria Machado Botelho Cadeira n° 24 - Patrona: Maria Cecília Machado Bonachella |
É uma
caminhada que machuca. A morada dos mortos, aquele silêncio, apenas
entrecortado pelo canto dos pássaros e o farfalhar do vento por entre os
arbustos, leva-nos à única certeza, a da transitoriedade, pequena para uns, mais longa
para outros, porém sempre dentro de
limites que não nos pertencem.
“Omnes
símiles sumus”: uma igualdade que
deveríamos considerar, caminhando por essas ruas estreitas , ladeadas por
túmulos suntuosos e humildes em que os mortos, de todas as idades, crianças,
jovens, idosos, de todas as condições sociais, todos eles reduzidos ao pó,
todos eles igualados em mesmíssima
situação. Talvez se pudessem,
teriam a nos dizer muitas coisas,
inclusive alertando sobre a melhor forma de nos conduzirmos entre os viventes. Porque não
buscar o melhor que possuímos dentro de nós mesmos, e não trazer essa igualdade, através do amor que
expulsa o ódio, o apego exagerado aos bens materiais, a avareza, a cobiça, a
inveja, a mentira , a traição, a ingratidão, a perfídia, o conflito que leva à
divisão, ao preconceito, ao crime , ao assassinato e às guerras, ao sofrimento
e à pior de todas as mortes, a morte da própria alma? Se não sabemos nada,
absolutamente nada, sobre o que nos
espera no próximo momento , qual o motivo de tanta sofreguidão, de tantos
planos para o futuro incerto, de tantos esforços inúteis? Porque o Senhor da vida não avisa quando vem e pode surpreender , antecipando-se ou
postergando a sua vinda. E é muito bom
que assim seja, e seria intolerável se
soubessemos.
É
claro que não podemos viver em função da morte, pois que a vida é bela e digna
de ser vivida, mas é preciso ter presente a noção de que nada nos pertence por
inteiro e que, como os pássaros e as flores, temos o dever de criar a
harmonia que une, que congrega, embeleza
e ameniza. Uma utopia ? pode ser.
À
sombra de um pé de murta ( e elas são numerosas nos cemitérios), ao lado do
túmulo de meu filho , eu orei e
chorei.. Nem sei quanto tempo meditei e
me detive sobre sua história tão entrelaçada com as histórias dos que ali
vieram ter, antes dele. Seus avós, seus
tios, seu pai que ele tanto amou, pois
esse amor foi sua maior e mais bela lição .
Com todos seus rompantes que escondiam um coração doce e compassivo, meu
filho foi surpreendido num momento inesperado, depois de vencer uma
batalha que a todos parecia quase insuperável.
Batalha que vencemos juntos, através de uma ajuda recíproca que teve,
certamente, a mão de Deus. Ele foi estoico, forte, corajoso e digno, uma
presença marcante. Humano e sensível ,
inteligente, espirituoso, dotado de uma arte que hoje escasseia- a da
conversação entreverada de “causos “, principalmente da família e do avô
paterno que venerava, sem deixar de enxergar as limitações, ele sabia narrar
como ninguém, através da memória , da imitação e do jeito de acentuar o
lado jocoso.
Hoje,
longe de sua presença física, restou-me a recordação desses bons momentos ,
porque os transes dolorosos, eu faço
tudo para esquecer, inclusive a brutalidade
de um desfecho que jamais imaginei
pudesse atingir -me. Uma resposta que teremos a seu tempo.
Nesta manhã de céu muito
azul, perfumada pela murta florida , ornada pelo canto dos pássaros que ali
fizeram seus ninhos , uma saudade intensa me une a tantos que também choram seus entes queridos e agora experimentam a paz dos justos. E para
nós, pais e mães, surpreendidos numa situação inversa, a de sepultar seus
próprios filhos, a certeza do reencontro prometido por Jesus Cristo!
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