Valdiza Maria Caprânico
Cadeira n° 4 - Patrono: Haldumont Nobre Ferraz
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Esta é uma história diferente.
Talvez pelo inusitado da situação, hoje é motivo de muitas risadas ao ser
lembrada. Mas foi um fato que marcou muito minha infância.
Sempre gostei muito de bonecas.
Aliás, até hoje, encanto-me muito mais com bonecas expostas em lojas de
brinquedos, vitrines, do que com joias.
Mais ou menos aos meus seis anos de
idade, meu pai me comprou um número de uma rifa de uma boneca italiana, numa
daquelas grandiosas festas juninas, que o Colégio Dom Bosco, recém instalado em
Piracicaba, oferecia todos os anos. Aliás, eram festas muito lindas, que
mobilizavam a cidade toda e que, sem dúvida, deixaram muita saudade.
Para minha surpresa e alegria, fui a
ganhadora da famosa boneca italiana – que os padres do Colégio, todos ou quase
todos italianos, tinham trazido da Itália para ser rifada nessa festa,
Foi um grande tumulto: todo mundo
queria ver a boneca e sua ganhadora. Aí, ao saber do fato, meu pai foi me
buscar em casa para receber, dos padres, a famosa boneca.
Com grande espanto, em meio a todas
as emoções que uma criança sente ao receber um prêmio, numa grande festa, levei
o maior susto: a boneca linda e sorridente – era maior que eu! Claro que quem a
levou para casa, dentro de sua enorme caixa foi o meu pai!...
E, quando a colocou sobre a mesa da
sala de jantar, na caixa, ela parecia tudo – menos uma boneca... parecia-me uma
menininha morta, dentro de seu caixãozinho...
Bem, não é preciso dizer que,
passado o espanto, o medo se apossou de mim...
Como poderia eu carregar, embalar
uma boneca tão grande?! E, ela era linda – muito linda mesmo... Andava, virava
a cabeça para todos os lados, piscava ao caminhar e sentava. Acredito mesmo,
que na época, eu era a única menina da cidade que possuía uma boneca
daquelas... Só que como ela era maior do que eu, não podia carregá-la... .
Coube a uma das minhas irmãs mais velhas que eu, já com seus dez, onze anos,
carregá-la para mim, quando eu queria passear com ela... . Minha irmã mais
nova, então, só conseguia segurar em suas mãozinhas, de frente, para fazê-la
andar...
Bem, passada a fase de
“conhecimento” meu com ela, fui perdendo o medo. Mas não a quis nunca em meu
quarto. Ela ficava sentada num banquinho, ou em pé, no quarto dos meus pais...
E, quando eu acordava pela manhã, ia devagarzinho espiar a italianinha (como
meu pai a chamava) no quarto deles: lá estava ela, linda, sorridente, com
aqueles grandes olhos esverdeados, olhando para mim... como a me pedir um
carinho, um abraço... . Mas, era difícil eu chegar muito perto dela... . Até seu
nome – Heidi – demorei para escolher...
Mas lembro-me de alguns fatos que
marcaram minha infância, ligados a essa boneca.
Um deles, é que meu pai, talvez por
eu ser muito clara, miudinha, e com olhos verdes, como os da família dele, - me
apelidou de “italianinha” – e quando chegou a boneca – “outra italianinha”,
talvez eu tenha me sentido ameaçada, enciumada – coisas de criança, enfim...
Outro fato curioso é que – quando eu
me reunia com minhas priminhas ou amiguinhas para brincar juntávamos nossas
bonecas e brinquedos – mas sempre com a seguinte condição delas: “a bonecona
não!” Claro que eu conclui que elas também tinham medo dela!
E, para assinalar o destino da
famosa boneca italiana, um último fato marcou minha ligação com ela:
Fui, uma
tarde com uma de minhas irmãs mais velha a casa de meus avós maternos – como de
costume, e, como o “noninho”, como o chamávamos, estava acamado, muito doente,
resolvi levar a boneca, italiana como ele, para alegrá-lo. Como sempre, foi
minha irmã carregando a boneca pelas ruas, algumas quadras, de nossa casa até a
casa de nossos avós.
Pois bem, ao entrarmos na casa
deles, minha “noninha” se encantou com a boneca. E eu, para alegrar o noninho,
quis entrar em seu quarto, dando as mãos para a “bonecona”. Mas, na mesma hora,
o noninho chamou sua mulher e perguntou a ela quem era aquela menina com as
netas dele. Em vão o “noninha” tentou explicar a ele que ela era uma boneca
italiana que eu havia ganho numa rifa do Colégio Dom Bosco – ali perto de onde
eles e nós morávamos. Lembro-me, até hoje, ele, na cama, com aquele
“português-italianado” (ou italiano aportuguesado?) dizendo alto: – “non gosto de questa minina”...
Bem, para mim, foi o último passeio
com a boneca...
Desse dia em diante, a pobre e linda
boneca ficou, definitivamente, no quarto de meus pais... . Quando cresci o
suficiente para carregá-la, eu já era grande demais para brincar com bonecas...
. Aí, já adolescente, vestia-a com meus vestidos menores. Minha mãe chegou até
a receber uma proposta para vendê-la a uma loja de roupas infantis, para ser
usada como modelo em suas vitrines. Mas, eu, com dó dela não quis.
Alguns anos depois, eu, já
jovenzinha, preparando-me para ingressar na faculdade, resolvi doá-la, com
outras bonecas que eu tinha a um orfanato feminino de nossa cidade.
Hoje, muitas décadas depois, ao me
lembrar dessa boneca, fico pensando o quanto um inusitado presente pode marcar
vida de uma criança...
E, com dó e remorso por não tê-la
deixado um único dia em meu quarto, junto das outras bonecas e brinquedos meus,
decidi eternizá-la nessa história real.
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