Antonio Carlos Fusatto
Cadeira n° 6 - Patrono: Nélio Ferraz de Arruda
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Tudo começou
com uma visita a um lugar que abriga pessoas idosas. Em nossa normal
curiosidade, começamos a questionar, tentando entender porque tantos idosos ali
concentrados!
Não teriam
família, filhos, netos? Ou qualquer pessoa que pudesse compartilhar com eles um
pouco do aconchego e carinho de um lar?
Foi quando
chamou-nos a atenção a figura enigmática de uma senhora; idosa como os demais,
mas com um magnetismo diferente dos outros; forçando-nos constantemente a
voltar o olhar para aquela misteriosa mulher. Devido a nossa indisfarçável
curiosidade, alguém nos confidenciou: “Está meio gagá...” “É o tempo...”,
outras diziam. E outras, ainda: “De há muito foi deixada aqui... Ela é bastante
velha apesar de não aparentar tanto. Dizem que foi muito rica e poderosa,
estudou até no exterior”.
Passamos
então, a observá-la melhor: ora olhava as pessoas como se não existissem;
outras vezes, seu olhar triste, cansado, perdia-se na contemplação do vazio. Parecia
até que lembranças de um passado distante convulsionavam-se em sua mente, como
se coisas proibidas pudessem desnudar segredos pelos quais devaneava sua alma
sofrida.
Aproximamo-nos
dela e não pudemos conter a curiosidade em saber-lhe o nome... Um leve rubor
deixou transparecer, na face mutilada pelo tempo, mas cujos traços deixavam
nítida uma beleza de outrora; um par de olhos azuis parecendo águas-marinhas,
incrustadas num rosto macilento, à sombra de vário bucres brancos que
adornavam-lhes a cabeça, emoldurando a alva tez.
Muitos
a tinham visto sorrindo demoradamente ao pôr-do-sol, até adormecer por algum
tempo, recostada ao tronco de sua árvore preferida, deixando transparecer em
seus lábios um sorriso quase infantil.
“É
a saudade!” diziam os que a conheceram anteriormente. Talvez saudade de uma
infância perdida no tempo... Ela, mulher, mãe e avó, também fora criança, jovem
e tivera uma mãe.
Várias
vezes visitamos aquela senhora, agora atraído mais pelo estranho magnetismo que
pela curiosidade.
Aos
poucos ganhamos sua amizade e tornamo-nos confidentes dela. Seu nome? Não
importa, passamos a chamá-la carinhosamente de vovó.
Contou-nos
fatos de sua infância e adolescência, passadas numa fazenda a região, de suas
viagens para estudar, de seu casamento até a viuvez, dos trabalhos sem
esmorecimento para criar e educar os filhos, hoje todos com família
constituída. Enquanto tivera algum capital para distribuir aos filhos e
disposição para cuidar dos netos, fora tolerada, mas, na medida que os anos
foram se acumulando, e doenças minando-lhes as forças, foi por eles abandonada,
e a família resolveu interná-la naquele local. A princípio, amiúde a visitavam,
mas com o passar do tempo esqueceram-na completamente.
Em
minha cabeça, naquele momento, um turbilhão impedia-me de entender tanta
desventura.
Quantas
noites a pobre anciã chorou e gemeu em sua solidão?...
Num
certo domingo de maio, voltamos a visitá-la para levar algumas guloseimas, e a
encontramos em seu leito bastante debilitada.
Brancas
madeixas emolduravam um rosto ainda altivo, apesar da doença, deixando
transparecer que, aquela mulher fora realmente uma figura bela, cheia de vida e
energia.
Olhou
com espanto e emoção para os pacotes depositados sobre a cama e, de repente em
lágrimas, balbuciou algumas frases quase sussurrando; beijou as mãos deste
visitante, os embrulhos e todos os que estavam a sua volta.
Com
certa dificuldade, voltou a balbuciar quase monologando: “Neste dia, a maioria
das mães ganham presentes e carinhos redobrados dos filhos, outras só
decepções, algumas choram de saudade porque também são filhas, outras escondem
o pranto no sorriso”.
Confidenciou
que durante o sono, havia sonhado o regresso junto aos seus filhos e, que na
casa havia grandes preparativos para recebê-la e comemorarem o DIA DAS MÃES.
Sorria envaidecida com os carinhos recebidos dos netos, que dia maravilhoso
estava passando, os preparativos se intensificavam, o aroma da comida caseira
tomava conta do ar, fitas multicores, papéis para embrulhar presentes, risos e
algazarras dos netos enchiam o casarão do sonho...
Estava
cada vez mais fraca, mas teimava em descrever o sonho minuciosamente. Coisa
incrível! Ante a evidência do que se descortinava, ela se mostrava agora com
uma felicidade transcendente, como se pressentisse a aventura que estava para
começar...repentinamente tudo acabou... junto com o vento que entrava pela
janela, foram-se os últimos suspiros da querida “Vovó”.
De
não muito longe, chegavam os acordes do sino do campanário, chamando os fiéis
para a missa e a meditação.
Exceto
eu, somente as nuvens choravam neste momento; uma chuva fina e persistente
lambia os vidros das janelas, enquanto o vento, seu companheiro de todos os
dias, insistia em entrar novamente, querendo talvez dar um último passeio pelo
quarto.
Um
anônimo abriu uma cova no Solo Santo, que serviu-lhe de morada final, enquanto
a chuvinha fria fustigava as poucas pessoas que, qual sombra no ocaso, deixavam
o local silenciosamente.
E hoje, quantas mães ainda continuam sozinhas
e abandonadas pelos filhos? Quantos ainda choram e se revolvem na solidão?
Quantas sonham em abraçar os filhos e dizer-lhes: ‘Valeu meus queridos, eu vos
amo muito... muito..., muito!...
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