Ignácio
de Loyola Brandão
Chego em Piracicaba com medo. Estarei frente a frente, ou de lado, ou seja
lá como for, inquieto com uma pergunta fatal: você se lembra de mim?
Natural, todos queremos ser
reconhecidos por quem amamos, a quem admiramos. Porém, o tempo é implacável,
corrói olhos e memória.
Quase três décadas se passaram
desde a última vez que aqui estive fazendo uma das mais prazerosas oficinas que
já fiz. Um grupo mais coeso,
interessado, trabalhador, criativo. Nestes 40 anos mudei cinco vezes o grau dos
meus óculos. Difícil, tenho um para perto, um para o computador, um para
longe. Só não consegui um que me
identifique rápido uma pessoa. Já estou providenciado um que identifique prontamente meus parentes, pessoas próximas,
queridas, alguma ex distante, porque aqui a coisa complica.
Sei da dificuldade em me
reconhecer. Perdi cabelos, eles eram negros e cacheados, hoje são brancos e
ralos. Entre a última vez que aqui estive a memória foi perdendo o brilho sutilmente. E a audição? Exagero, fiquem calmos, não
me deteriorei. Meu Deus, mais de 30 anos
se passaram e vou reconhecer todos? O rosto pode ser que sim.
Mas, o nome? O nome é uma
armadilha. Nem imaginam o tanto de nomes que tive pela frente nestas três décadas. Olho o rosto, sei que conheço,
mas o nome flutua, evapora. Sei que a pessoa fica decepcionada. Cada um de nós se imagina inesquecível. Há
pouco, em Araraquara, onde nasci e cresci. uma jovem se aproximou, sorriu, me
entregou o livro.
- E seu nome, por favor?
- Sou Olga Cecilia.
- Bonito nome...
- É ? Sou filha da Quita.
- Quita?
- Era o apelido dela. Irmã da Maria
do Rosário.
- Veja só, minha mãe também se
chamava Maria do Rosario.
- Sua mãe e a minha eram irmãs,
filhas do Vital Gonçalves Lopes, seu avô e também meu.
- Olha! Teu pai era o Benedito Vacari
que tinha maquina beneficiar arroz em Simonsen?
-Sim, sou sua prima irmã.
Lançamentos de livros são alegria,
e ansiedade. Chego com um medo. Não reconhecer os que se recusam a preencher a
ficha com o nome, alegando: ele me conhece. Meses atrás, na Feira de Livros de
Ribeirão Preto ganhei a glória de ter memória “infalível”. Uma senhora de
80 anos, aproximou-se da mesa, olhei e
disse: “Margarida Troncon”. Ela confirmou, recebi aplausos . Como esquecer a mulher que lá atrás, quando
tínhamos oito anos, em Araraquara, aceitou namorar comigo? Durou semanas, como
era costume, peguei na mão dela. Ao longo da vida, casada, hoje viúva, passados 80 anos, com filhos, ela
nunca deixou de comparecer a lançamento meu.
Aprendi com Juscelino Kubitscheck,
o presidente. Ele entrava, abraçava
todos, dizendo, querido fulano de tal! Sorriam ambos. Numa entrevista em
1957 eu tinha 21 anos, indaguei
eficiência da memória, ele riu e disse:
“Não conte e ninguém. Ao abraçar alguém, digo, ao ouvido da pessoa: diga
logo seu nome que será bom para os dois.”
Funcionava. Assim, amados amigos
que promovem esta festa pelo livro.
Quando chegarem, digam: Sou tal. Eu estarei com uma cartela com meu nome. Num momento como este de pura emoção nem imaginam a alegria e o sufoco.
*Crônica
escrita e enviada a mim, Ivana, especialmente para o pessoal do GOLP (Grupo
Oficina Literária de Piracicaba)