Carmen Maria da Silva Fernandez Pilotto Cadeira n° 19 - Patrono: Ubirajara Malagueta Lara |
As
rugas sulcavam expressivamente a face de Maria José. Mas o sorriso quase
translúcido bailava constantemente no rosto septuagenário, cândido, leve e
faceiro, do que restara da doce Mazé. Ela mantinha dos áureos tempos o molejo
dos ritmos cariocas e a brejeirice das garotas das calçadas de Ipanema.
Seu
olfato ainda trazia o cheiro da brisa marinha. Sua leveza fora ceifada por
João, que a roubara da bossa do Rio para montar família em Uberaba.
E
o corpo foi perdendo o bronzeado, debruçado na extenuante lida caseira. Passara
sua rotina na Rua Aurora, número 20. Solitária, aquecia-se ao sol esmaecido
mineiro todas as manhãs, cultivando as lindas rosas de seu jardim. À tarde,
alquebrada, na cadeira de balanço, com o xale de fuxico, conversava com as
nuvens, personagens de seu passado.
Cismava,
por horas, visualizando barcos se afastando no horizonte, a brancura das areias
de Ipanema, o show de fogos na passagem de ano em Copacabana, os bares na
Avenida Atlântica, os bailes no Clube Tatuí em Ipanema, os barquinhos do Posto
6 e tantas outras imagens que povoavam diuturnamente sua mente senil.
João,
que partira há algum tempo, Letícia, a amiga de infância e ainda uma legião de
seres se delineavam conforme apertava a saudade ou lhe ditava a carência.
Com
a escuridão tomava delicadamente o lampião e se dirigia ao pequeno quarto onde
fervorosas orações dissipavam qualquer ranço de melancolia da alegre paisagem
que deixara. Nos sonhos, como Penélope, tecia um imenso e intenso imaginário de
céu.
Certa
noite, seu querido João, perfumado como nos tempos de outrora, surgiu garboso
em seus sono, de chapéu panamá e terno de linho bem ajambrado, tomou-lhe
novamente aos braços e carinhosamente confessou:
–
Não quero mais esse negócio de você longe de mim...
No
dia seguinte todas suas rosas brancas despetaladas forravam o chão do jardim e
os pedúnculos balouçavam solitários ao sabor da brisa outonal.
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